quarta-feira, 8 de outubro de 2008

CRÍTICA AO PROGRAMA DE GOTHA - Karl Marx

Prólogo de Engels
O manuscrito que aqui publicamos - a crítica ao projeto de programa e a carta a Bracke que aacompanha - foi enviado a Bracke em 1875, pouco antes de reunir-se o congresso de unificação deGotha, para que fosse transmitido a Geib, Auer, Bebel e Liebknecht e em seguida devolvido a Marx.Como o Congresso do Partido em Halle havia incluído na ordem-do-dia a discussão do programa deGotha, parecia-me que cometia um delito se furtasse por mais tempo à publicidade este importantedocumento - talvez o mais importante de todos - sobre o tema que ia ser posto em discussão.Este trabalho tem, além disso, outra significação de alcance ainda maior. Nele é exposta pela primeiravez, com clareza e firmeza, a posição de Marx em face da tendência traçada por Lassalle desde que selançou à agitação, tanto no que se refere aos seus princípios econômicos, como à sua tática. O rigorimplacável com que é esmiuçado aqui o projeto de programa, a inexorabilidade com que são expressosos resultados obtidos e postos de relevo os erros do projeto; tudo isto,. hoje, passados quinze anos, jánão pode ferir ninguém. Lassallianos irredutíveis restam apenas - ruínas isoladas no estrangeiro, e oprograma de Gotha foi abandonado em Halle, como absolutamente inservível, inclusive por seuspróprios autores .Apesar disso, suprimi algumas expressões e juízos duros acerca de pessoas, onde careciam deimportância objetiva, e os substitui por reticências, O próprio Marx faria o mesmo se hoje publicasse omanuscrito. A linguagem violenta que às vezes nele se percebe obedecia a duas circunstâncias. Emprimeiro lugar, Marx e eu estávamos mais estreitamente vinculados ao movimento alemão do quenenhum outro; por isso, o retrocesso fundamental que se manifestava nesse projeto de programa tinha,por força, que afetar-nos muito seriamente, Em segundo lugar, nós nos encontrávamos entãotranscorridos apenas dois anos do Congresso de Haia da Internacional' - em pleno apogeu da lutacontra Bakunin e seus anarquistas, que nos responsabilizavam por tudo o que ocorria no movimentooperário da Alemanha; era, pois, do esperar, que também nos atribuíssem a paternidade secreta desteprograma. Hoje, estas considerações já não têm razão de ser e com elas também desaparece anecessidade das passagens em questão.Algumas frases também foram substituídas por reticências, devido à lei de imprensa. Quando tive deescolher uma expressão mais suave coloquei-a entre colchetes. No resto, reproduzo literalmente omanuscrito.Londres, 6 de janeiro de 1891.Escrito por F. Engels. Publicado em 1891 na revista Neue Zeit. Traduzido da edição soviética de 1952,de acordo com o texto da revista. Traduzido do espanhol.
Crítica ao programa de GothaCarta de Marx a W. BrackeLondres, 5 de maio de 1875.
Querido Bracke:Rogo-lhe que, depois de lê-las, transmita as anexas observações críticas à margem do programa decoalizão a Geib, Auer, Bebel e Liebknecht, para que as vejam. Estou ocupadíssimo e vejo-me obrigado aultrapassar em multo o regime trabalho que me havia sido prescrito pelos médicos. Não pois, para mimnenhuma "delícia" ter que escrever uma tirada tão longa. Mas, era necessário fazê-lo para que depoisamigos do Partido aos quais são dirigidas estas notas não interpretem mal os passos que terei de dar.Refiro-me a que, depois de realizado o Congresso de unificação, Engels e eu tornaremos pública umabreve declaração fazendo saber que estamos de acordo com o mencionado programa de princípios e quenada temos a ver com ele.Indispensável fazê-lo assim, pois no estrangeiro tem-se idéia, absolutamente errônea, mascuidadosamente fomenta pelos inimigos do Partido, de que o movimento do chamado Partido deEisenach é secretamente dirigido daqui, nós. Ainda num livro que há pouco publicou em russo, Bakunin,por exemplo, faz-me a mim responsável, não só todos os programas, etc., desse partido, mas por todospassos dados por Liebknecht desde o dia em que iniciou i colaboração com o Partido Popular.Isto à parte, tenho o dever de não reconhecer, nem sequer através de um silêncio diplomático, umprograma que é, em minha convicção, absolutamente inadmissível e desmoralizador para o Partido.Cada passo de movimento real vale mais do que uma dúzia de programas. Portanto, se não era possível- e as circunstâncias do momento não o permitiam - ir além do programa de Eisenach, dever-se-ia ter-selimitado, simplesmente, à conclusão de um acordo para a ação, contra o inimigo com. Mas, quando seredige um programa de princípios (em de adiá-lo até o momento em que uma prolongada atuaçãoconjunta o prepare), expõem-se diante de todo o mundo marcos pelos quais é medido o nível domovimento do Partido. Os chefes dos lassallianos vieram até nós porque as circunstâncias os obrigarama vir. E se, desde o primeiro momento, se lhes tivesse feito saber que não seriam adir das quaisquerbarganhas com os princípios, teriam tido t contentar-se com um programa de ação ou com um planoorganização para a atuação conjunta. Em vez disto, consente-se que se apresentem munidos demandatos e se reconhecem estes mandatos como obrigatórios, rendendo-se assim. à clemência ouinclemência dos que necessitavam ajuda. E para cúmulo e arremate, eles realizam um Congresso antesdo Congresso de conciliação, enquanto o próprio Partido reúne o seu post festum 1, Indubitavelmente,quis-se com isso escamotear qualquer crítica e não permitir que o próprio Partido refletisse. É sabidoque o simples fato da unificação satisfaz por si mesmo os operários, mas se engana quem pensa que esteêxito efêmero não custou demasiado caro.De resto, ainda prescindindo dos artigos de fé de Lassalle o programa não vale nada.Proximamente, enviar-lhe-ei as últimas remessas da edição francesa do O Capital, O andamento daimpressão arrastou-se durante longo tempo devido à proibição do governo francês. Esta semana, ou emcomeços da próxima, o assunto estará concluído. Você recebeu as seis remessas anteriores.Agradecer-lhe-ia se me comunicasse o endereço de Bernhard Becker, a quem tenho que enviar tambémas últimas remessas.
A editora do Volksstaat procede à sua maneira. Até o momento, por exemplo, não recebi um únicoexemplar da edição do Processo dos Comunistas de Colônia.Saudações cordiais. Seu,Karl Marx,Observações à margem do Programa do Partido Operário AlemãoI1. "O trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura, e como o trabalho útil só é possível dentroda sociedade e através dela, todos os membros da sociedade têm igual direito a perceber o fruto integrodo trabalho".Primeira parte do parágrafo: "O trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura".O trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (que são os queverdadeiramente integram a riqueza material !), nem mais nem menos que o trabalho, que não é maisque a manifestação de uma força natural, da força de trabalho do homem. Essa frase encontra-se emtodas as cartilhas e só é correta se se subentender que o trabalho é efetuado com os correspondentesobjetos e Instrumentos. Um programa socialista, porém, não deve permitir que tais tópicos burguesessilenciem aquelas condições sem as quais não têm nenhum sentido. Na medida em que o homem se situade antemão como proprietário diante da natureza, primeira fonte de todos os meios e objetos detrabalho, e a trata como possessão sua, seu trabalho converte-se em fonte de valores de uso, e, portanto,em fonte de riqueza. Os burgueses têm razões muito fundadas para atribuir ao trabalho uma forçacriadora sobrenatural; pois precisamente do fato de que o trabalho está condicionado pela naturezadeduz-se que o homem que não dispõe de outra propriedade senão sua força de trabalho, tem que ser,necessariamente, em qualquer estado social e de civilização, escravo de outros homens, daqueles que setornaram donos das condições materiais de trabalho. E não poderá trabalhar, nem, por conseguinte,viver, a não ser com a sua permissão.Mas, deixemos a tese tal como está, ou melhor, tal como vem capengando. Que conclusão deveria ter-setirado dela? Evidentemente, esta:"Como o trabalho é a fonte de toda a riqueza, ninguém na sociedade pode adquirir riqueza que não sejaproduto do trabalho. Se, portanto, a pessoa não trabalha, é que vive do trabalho alheio e adquiretambém sua cultura às custas do trabalho de outros".Em vez disto, acrescenta-se à primeira oração uma segunda mediante a locução copulativa "e como",para deduzir dela, e não da primeira, a conclusão.Segunda parte do parágrafo: "O trabalho útil só é possível dentro da sociedade e através dela".Consoante a primeira tese, o trabalho era a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura, isto é, semtrabalho, não era possível igualmente a existência de uma sociedade. Agora, inteiramo-nos,opostamente, de que sem a sociedade não pode existir o trabalho "útil".Do mesmo modo, teria sido possível dizer-se que o trabalho inútil e inclusive prejudicial à comunidade, só pode converter-se em ramo industrial dentro da sociedade, que só dentro da sociedade pode-se viverdo ócio, etc., etc.; numa palavra, copiar aqui Rousseau inteiramente. E que é trabalho "útil"? Não podeser senão um: o trabalho que consegue o efeito útil proposto. Um selvagem - e o homem é um selvagemdesde o momento em que deixa de ser mono - que mata um animal a pedrada, que junta frutos, etc.,executa um trabalho "útil".Terceiro. Conclusão: "E como o trabalho útil só é possível dentro da sociedade e através dela, todos osmembros da sociedade têm Igual direito a perceber o fruto íntegro do trabalho".Formosa conclusão! Se o trabalho útil só é possível dentro da sociedade e através dela, o fruto dotrabalho pertencerá à sociedade, e o trabalhador individual só perceberá a parte que não sejanecessária para manter a "condição" do trabalho, que é a sociedade.Na realidade, os defensores de toda ordem social existente fizeram valer esta tese em todos os tempos.Em primeiro lugar, vêm as pretensões 'do governo e de tudo o que está ligado a ele, pois o governo é oórgão da sociedade para a manutenção da ordem social; detrás dele vêm as diferentes classes depropriedade privada, com suas respectivas pretensões, pois as diferentes classes de propriedade privadasão as bases da sociedade, etc. Como vemos, com estas frases ocas podem-se dar as voltas e asInterpretações que se queira.A primeira e a segunda parte do parágrafo somente guardariam uma certa relação lógica se fossemassim redigidas:"O trabalho só é fonte de riqueza e de cultura como trabalho social", ou, o que é o mesmo, "dentro dasociedade e através dela".Esta tese é, indiscutivelmente, exata, pois ainda que o trabalho do indivíduo isolado (pressupondo suascondições materiais) também possa criar valores de uso, não pode criar nem riqueza nem cultura.Mas, Igualmente indiscutível é esta outra tese:"Na medida em que o trabalho se desenvolva socialmente, convertendo-se assim em fonte de riqueza e decultura, desenvolvem-se também a pobreza e o desamparo do operário, e a riqueza e a cultura dos quenão trabalham." Esta é a lei de toda a história, até hoje. Assim, pois, em vez dos tópicos surrados sobre"o trabalho" e "a sociedade", o que competia era indicar concretamente como, na atual sociedadecapitalista, já se produzem, afinal, as condições materiais, etc., que permitem e obrigam os operários adestruir essa maldição social.Mas, de fato, todo este parágrafo, que é igualmente falso tanto pelo estilo como pelo conteúdo, não temoutra finalidade senão a de inscrever como lema no alto da bandeira do Partido, o tópico lassalliano do"fruto integro do trabalho". Voltarei mais adiante a essa coisa de "fruto do trabalho", de "direito igual",etc., já que o mesmo é repetido logo depois sob uma forma algo diferente.2. "Na sociedade atual, os meios de trabalho são monopólio da classe capitalista; o estado dedependência da classe operária que disto deriva, é a causa da miséria e da escravidão em todas as suasformas".Assim "corrigida", esta tese, tomada dos estatutos da Internacional, é falsa.Na sociedade atual os meios de trabalho são monopólio dos latifundiários (o monopólio da propriedade do solo é. inclusive, a base do monopólio do capital) e dos capitalistas. Os estatutos da Internacionalnão mencionam na passagem correspondente, nem uma nem outra classe de monopolistas. Falam dos"monopolizadores dos meios de trabalho, isto é, das fontes da vida." Esta adição "fontes da vida" indicaclaramente que o solo está compreendido entre os meios de trabalho.Esta emenda foi introduzida porque Lassalle, por motivos que hoje já são do conhecimento de todos, sóatacava a classe capitalista, e não os latifundiários. Na Inglaterra, a maioria das vezes o capitalista nãoé sequer proprietário do solo sobre o qual ergue a sua fábrica.3. "A emancipação do trabalho exige que os meios de trabalho elevem-se a patrimônio comum dasociedade e que todo o trabalho seja regulado coletivamente, com uma repartição eqüitativa do fruto dotrabalho".Onde se diz "que os meios de trabalho elevem-se a patrimônio comum", deveria dizer-se,indubitavelmente, "convertam-se em patrimônio comum". Isto, porém, só de passagem.Que é o "fruto do trabalho"? O produto do trabalho, ou seu valor? E neste último caso, o valor total doproduto, ou só a parte do valor que o trabalho acrescenta ao valor dos meios de produção consumidos?Isso de "fruto do trabalho" é uma idéia vaga com que Lassalle eludiu conceitos econômicos concretos.Que é "repartição eqüitativa"?Não afirmam os burgueses que a atual repartição é "eqüitativa"? E não é esta, com efeito, a únicarepartição "eqüitativa" cabível, sobre a base da forma atual de produção? Acaso as relaçõeseconômicas são reguladas pelos conceitos jurídicos? Pelo contrário, não são as relações jurídicas quesurgem das relações econômicas? Não se forjam, também, os sectários socialistas as mais variadasIdéias acerca da repartição "eqüitativa"?Para saber o que se deve entender aqui pela frase "repartição eqüitativa", temos que cotejar esteparágrafo com o primeiro. O parágrafo que glosamos supõe uma sociedade na qual os "meios detrabalho são patrimônio comum e todo o trabalho é regulado coletivamente", enquanto que no primeiroparágrafo vemos que "todos os membros da sociedade têm Igual direito a perceber o fruto integro dotrabalho"."Todos os membros da sociedade"? Também os que não trabalham? Onde fica, então, o "fruto Integrodo trabalho"? Ou só os membros da sociedade que trabalham? Onde deixarmos, então, o "direito igual"de todos os membros da sociedade?Entretanto, isto de "todos os' membros da sociedade" e "o direito Igual" não são, manifestamente, senãofrases. O essencial do assunto reside em que, nesta sociedade comunista, todo operário deve obter o"fruto integro do trabalho" lassalliano.Tomemos, em primeiro lugar, as palavras «o fruto do trabalho" no sentido do produto do trabalho;então o fruto do trabalho coletivo será a totalidade 'do produto social.Daqui, porém, é preciso deduzir:Primeiro: uma parte para repor os meios de produção consumidos.Segundo: urna parte suplementar para ampliar a produção.Terceiro: o fundo de reserva ou de seguro contra acidentes, transtornos devidos a fenômenos naturais,etc.Estas deduções do "fruto Integro do trabalho" constituem uma necessidade econômica e sua magnitudeserá determinada de acordo com os meios e forças existentes e, em parte, por meio do cálculo deprobabilidades; o que não se pode fazer de modo algum é calculá-la partindo da eqüidade.Fica a parte restante do produto total, destinada a servir de meios de consumo.Mas, antes dessa parte chegar à repartição Individual, dela é preciso deduzir ainda:Primeiro: as despesas gerais de administração, não concernentes à produção. Nesta parte seconseguirá, desde o primeiro momento, urna redução oonsiderabilíssima, em comparação com asociedade atual, redução que irá aumentando à medida que a nova sociedade se desenvolva. Segundo: a parte que se destine a satisfazer necessidades coletivas, tais como escolas, Instituiçõessanitárias, etc.Esta parte aumentará consideravelmente desde o primeiro momento, em comparação com a sociedadeatual, e irá aumentando à medida que a nova sociedade se desenvolva.Terceiro: os fundos de manutenção das pessoas não capacitadas para o trabalho, etc.; em uma palavra,o que hoje compete à chamada beneficência oficial.Só depois disto podemos proceder à "repartição", Isto é, à única coisa que, sob a influência de Lassallee com uma concepção estreita, o programa tem presente, ou sei a, a parte dos meios de consumo queserá repartida entre os produtores individuais da coletividade.O "fruto íntegro do trabalho" transformou-se já, imperceptivelmente, no "fruto parcial", ainda que o quese retira ao produtor na qualidade de indivíduo, a ele retorna, direta ou indiretamente, na qualidade demembro da sociedade.E do mesmo modo como se evaporou a expressão "o fruto íntegro dotrabalho", evapora-se agora a expressão "o fruto do trabalho", em geral. No seio de uma sociedadecoletivista, baseada na propriedade comum dos meios de produção, os produtores não trocam seusprodutos; o trabalho Invertido nos produtos não se apresenta aqui, tampouco, como valor destesprodutos, como uma qualidade material, por eles possuída, pois aqui, em Oposição ao que sucede nasociedade capitalista, os trabalhos individuais Já não constituem parte Integrante do trabalho comumatravés de um rodeio, mas diretamente. A expressão "o fruto do trabalho", já hoje recusável por suaambigüidade, perde assim todo sentido.Do que se trata aqui não é de uma sociedade comunista que se desenvolveu sobre sua própria base, masde uma que acaba de sair precisamente da sociedade capitalista e que, portanto, apresenta ainda emtodos os seus aspectos, no econômico, no moral e no 1ntelectual~ o selo da velha sociedade de cujasentranhas procede. Congruentemente com isto, nela o produtor individual obtém da sociedade - depoisde feitas as devidas deduções precisamente aquilo que deu. O que o produtor deu à sociedade constituisua cota individual de trabalho. Assim, por exemplo, a jornada social de trabalho compõe-se da somadas horas de trabalho Individual; o tempo Individual de trabalho de cada produtor em separado é aparte da jornada social de trabalho com que ele contribui, é sua participação nela. A entrega-lhe um bônus consignando que prestou tal ou qual quantidade de trabalho (depois de descontaro que trabalhou para o fundo comum), e com este bônus ele retira dos depósitos sociais de meios deconsumo a parte equivalente à quantidade de trabalho que prestou. A mesma quantidade de trabalhoque deu à sociedade sob uma forma, recebe-a desta sob uma outra forma diferente.Aqui impera, evidentemente, o mesmo principio que regula o intercâmbio de mercadorias, uma vez queeste é um Intercâmbio de equivalentes. Variaram a forma e o conteúdo, porque sob as novas condiçõesninguém pode dar senão seu trabalho, e porque, de outra parte, agora nada pode passar a serpropriedade do indivíduo, fora dos meios individuais de consumo. Mas, no que se refere à distribuiçãodestes entre os diferentes produtores, impera o mesmo princípio no intercâmbio de mercadoriasequivalentes: troca-se quantidade de trabalho, sob uma forma, por outra quantidade igual de trabalho,sob outra forma diferente.Por isso, o. direito igual continua sendo aqui, em princípio, o direito burguês, ainda que agora oprincípio e a prática já não estejam mais em conflito, enquanto que no regime de intercâmbio demercadorias, o intercâmbio de equivalentes não se verifica senão como termo médio, e não nosIndividuais.Apesar deste progresso, este direito igual continua trazendo implícita uma limitação burguesa. O direitodos produtores é proporcional ao trabalho que prestou; a igualdade, consiste em que é medida pelomesmo critério: pelo trabalhoMas, alguns indivíduos são superiores, física e intelectualmente, a outros e, pois, no mesmo tempo,prestam trabalho, ou podem trabalhar mais tempo; e o trabalho, servir de medida, tem que serdeterminado quanto à duração ou intensidade; de outro modo, deixa de ser uma medida Este direitoigual é um direito desigual para trabalho desigual. Não reconhece nenhuma distinção de classe, poraqui cada indivíduo não é mais do que um operário como os demais; mas reconhece, tacitamente, comooutros tantos privilégios naturais, as desiguais aptidões dos indivíduos, por conseguinte, a desigualcapacidade de rendimento. fundo é, portanto, como todo direito, o direito da desigualdade O direito sópode consistir, por natureza, na aplicação de uma medida igual; mas os indivíduos desiguais (e riseriam Indivíduos diferentes se não fossem desiguais) só podem ser medidos por uma mesma medidasempre e quando sejam considerados sob um ponto de vista igual, sempre quando sejam olhados apenassob um aspecto determinado por exemplo, no caso concreto, só como operários, e não veja nelesnenhuma outra coisa, Isto é, prescinda-se de tudo o mais. Prossigamos: uns operários são casados eoutros não uns têm mais filhos que outros, etc., etc. Para igual trabalho e, por conseguinte, para igualparticipação no fundo social de consumo, uns obtêm de fato mais do que outros, uns são mais ricos doque outros, etc. Para evitar todos estes inconvenientes, o direito não teria que ser igual, mas desigualEstes defeitos, porém, são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como brota dasociedade capitalista depois de um longo e doloroso parto. O direito não pode ser nunca superior àestrutura econômica nem ao desenvolvimento cultural da sociedade por ela condicionado.Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadorados indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalhomanual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando,com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forçasprodutivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possívelultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em bandeiras: De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades.Alonguei-me sobre o "fruto integro do trabalho", de uma parte, e de outra, sobre "o direito igual" e "arepartição equitativa", para demonstrar em que grave falta se incorre, por um lado, quando se desejaimpor ao nosso Partido, como dogmas, idéias que, se em outro tempo tiveram um sentido, hoje já. nãósão mais do que tópicos em desuso, e, por outro lado, quando se tergiversa a concepção realista - quetanto esforço custou para inculcar no Partido, mas que hoje já está enraizada - com patranhasideológicas, jurídicas e de outro tipo, tão em voga entre os democratas e os socialistas franceses.Mesmo prescindindo do que fica exposto, é equivocado, em geral, tomar como essencial a chamadadistribuição e aferrar-se a ela, como se fosse o mais importante.A distribuição dos meios de consumo é, em cada momento, um corolário da distribuição das própriascondições de produção. E esta é uma característica do modo mesmo de produção. Por exemplo, o modocapitalista de produção repousa no fato de que as condições materiais de produção são entregues aosque não trabalham sob a forma de propriedade do capital e propriedade do solo, enquanto a massa éproprietária apenas da condição pessoal de produção, a força de trabalho. Distribuídos deste modo oselementos de produção, a atual distribuição dos meios de consumo é uma conseqüência natural. Se ascondições materiais de produção fosse propriedade coletiva dos próprios operários, isto determinaria,por si só, uma distribuição dos meios de consumo diferente da atual. O socialismo vulgar (e através deleuma parte da democracia) aprendeu com os economistas burgueses a considerar e tratar a distribuiçãocomo algo independente do modo de produção, e, portanto, a expor o socialismo como uma doutrina quegira principalmente em torno da distribuição. Uma vez que desde há muito tempo já está elucidada averdadeira relação das coisas, porque voltar a marchar para trás?4. "A emancipação do trabalho tem que ser obra da classe operária, diante da qual todas as demaisclasses não constituem senão uma massa reacionária".A primeira estrofe foi tomada do preâmbulo dos estatutos da Internacional, mas, "corrigida". Ali se diz:"A emancipação das classes trabalhadoras deverá ser conquistada pelas próprias classestrabalhadoras"; aqui, pelo contrário, "a classe operária" tem que emancipar a quem? "Ao trabalho.Entenda-o quem puder!Para indenizar-nos, se nos oferece, a título de antístrofe, uma citação lassalliana do mais puro estilo:"diante da qual (da classe operária) todas as demais classes não constituem senão uma massareacionária". No Manifesto Comunista, afirma-se: "De todas as classes que ora enfrentam a burguesia,só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes degeneram e perecemcom o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é o seu produto maísautêntico."Aqui, a burguesia é considerada como uma classe revolucionária - veículo da grande indústria - diantedos senhores feudais e das camadas médias, empenhados, aqueles e estas, em manter posições sociaisque foram criadas por formas caducas de produção. Não constituem, portanto, juntamente com aburguesia, uma massa reacionária.Por outra parte, o proletariado é revolucionário diante da burguesia, porque havendo surgido sobre abase da grande indústria, aspira a despojar a produção do seu caráter capitalista, que a burguesia querperpetuar. Mas, o Manifesto acrescenta que as "camadas médias... tornam-se revolucionárias quandotêm diante de si a perspectiva de sua passagem iminente ao proletariado." Portanto, sob esse ponto de vista, é também absurdo dizer que diante da classe operária "não constituem senão uma massareacionária", juntamente com a burguesia e, ademais como se isto fosse pouco -' com os senhoresfeudais.Por acaso, nas últimas eleições declarou-se aos artesãos, aos pequenos industriais, etc., e aoscamponeses: diante de nós, não sois, juntamente com os burgueses e os senhores feudais, senão umamassa reacionária?Lassalle sabia de cor o Manifesto Comunista, do mesmo modo como os seus devotos conhecem osevangelhos por ele compostos. Assim, pois, quando o falsificava tão grosseiramente, não podia fazê-losenão para coonestar sua aliança com os adversários absolutistas e feudais contra a burguesia.Além do mais, no parágrafo que acabamos de citar, esta sentença lassalliana é forçada e não guardanenhuma relação com a citação mal digerida e "ajeitada" dos estatutos da Internacional. Trazê-la aqui ésimplesmente uma impertinência que certamente não desagradará, longe disso, ao senhor Bismarck;uma dessas impertinências baratas em que é especialista o Marat de Berlim 25. "A classe operária busca, era primeiro lugar, sua emancipação dentro do marco do Estado nacionalde hoje, consciente de que o resultado necessário de suas aspirações, comuns aos operários de todos ospaíses civilizados, será a fraternização internacional dos povos."Em oposição ao ao Manifesto Comunista e a todo o socialismo anterior, Lassalle concebia o movimentooperário do ponto de vista nacional mais estreito. E depois da atividade da Internacional, ainda seseguem suas pegadas por esse caminho!Naturalmente, a classe operária, para poder lutar, tem que organizar-se como classe em seu própriopaís, já que este é o campo imediato de suas lutas. Neste sentido, sua luta de classes é nacional, não porseu conteúdo, mas, como diz o Manifesto Comunista, "por sua forma". Mas, "o marco do Estadonacional de hoje", por exemplo, do Império Alemão, acha-se por sua vez, economicamente, "dentro domarco" do mercado mundial e, politicamente, "dentro do marco" de um sistema de Estados. Qualquercomerciante sabe que o comércio alemão é, ao mesmo tempo, comércio exterior, e o senhor Bismarckdeve sua grandeza precisamente a uma política internacional sui generis.E a que reduz seu internacionalismo o Partido Operário Alemão? A consciência de que o resultado desuas aspirações será a fraternização internacional dos povos", uma frase tomada da Liga Burguesa pelaPaz e a Liberdade , que se deseja fazer passar como equivalente da fraternidade internacional dasclasses trabalhadoras, em sua luta comum contra as classes dominantes e seus governos. Dos deveresinternacionais da classe operária alemã não se diz, portanto, uma só palavra! E isto é o que a classeoperária alemã deve contrapor à sua própria burguesia, que já fraterniza contra ela com os burguesesde todos os demais países, e à política internacional de conspiração do senhor Bismarck!A profissão de fé internacionalista do programa fica, em realidade, Infinitamente por baixo da dopartido livre-cambista. Também este afirma que o resultado de suas aspirações será "a fraternizaçãointernacional dos povos". Mas. além disso, faz alguma coisa para internacionalizar o comércio, e estálonge de se satisfazer com a consciência de que todos os povos comerciam dentro do seu próprio país.A ação Internacional das classes trabalhadoras não depende, de modo algum, da existência daAssociação Internacional dos Trabalhadores. Esta constituiu somente uma primeira tentativa parafornecer àquela ação um órgão central; uma tentativa que, pelo impulso que deu, teve uma eficácia perdurável, mas que em sua primeira forma histórica não podia prolongar-se depois da queda daComuna de Paris.A "Norddeutsche" de Bismarck tinha razões de sobra quando, para satisfação do seu dono, proclamouque, em seu novo programa, o Partido Operário Alemão renegava o internaclonalismoII"Partindo destes princípios, o Partido Operário Alemão aspira, por todos os meios legais, a implantar oEstado livre - e - a sociedade socialista; a abolir o sistema do salário, com sua lei de bronze - e - aexploração sob todas as suas formas; a suprimir toda desigualdade social e política."Voltarei mais adiante a essa coisa de Estado "livre". Assim, pois, doravante, o Partido Operário Alemãoterá que comungar com a "lei de bronze do salário" lassalliana! E para que não se perca esta "lei",chega-se ao absurdo de falar em "abolir o sistema do salário" (o correto teria sido dizer o sistema detrabalho assalariado), "com sua lei de bronze". Se suprimo o trabalho assalariado, suprimo também,evidentemente, suas leis, sejam de "bronze" ou de cortiça. O que se dá é que a luta de Lassalle contra otrabalho assalariado gira quase toda em torno dessa chamada lei. Portanto, para demonstrar que aseita de Lassalle triunfou, deve-se abolir "o sistema do salário, com sua lei de bronze" e não sem ela.Da "lei de bronze do salário" a Lassalle não pertence, como é sabido, senão a expressão "de bronze",copiada das "ewigen, ehernen grossen Gesetzen" ("as leis eternas, as grandes leis de bronze"), deGoethe. A expressão "de bronze" é a contra-senha pela qual os crentes ortodoxos se reconhecem. E seadmitimos a lei com o cunho de Lassalle, e portanto no sentido lassalliano, temos que admiti-la tambémcom sua fundamentação. E qual é esta? É, como já assinalou Lange, pouco depois da morte de Lassalle,a teoria da população de Malthus (predicada pelo próprio Lange). Mas, se esta teoria for exata, amencionada lei não poderá ser abolida, por muito que se suprima o trabalho assalariado, porque estalei não regerá apenas no sistema do trabalho assalariado, mas em qualquer sistema social. Apoiando-seprecisamente nisto, os economistas vêm demonstrando, há cinqüenta anos e até mais, que o socialismonão pode acabar com a miséria, determinada pela própria natureza, mas tão somente generalizá-la,reparti-la por igual sobre toda a superfície da sociedade!Mas, nada disto é o fundamental, Mesmo prescindindo inteiramente da falsa concepção lassalliana destalei, o retrocesso que causa real Indignação consiste no seguinte:Depois da morte de Lassalle, havia progredido em nosso Partido a concepção científica de que o salárionão é o que parece ser, isto é, o valor - ou o preço do trabalho, mas só uma forma disfarçada do valor -ou do preço - da força de trabalho. Com isto, havia sido lançada ao mar, de uma vez para sempre, tantoa velha concepção burguesa do salário, como toda crítica até hoje dirigida contra esta concepção, e sehavia tomado claro que o operário assalariado só está autorizado a trabalhar para manter sua própriavida, isto é, a viver, uma vez que trabalha grátis durante certo tempo para o capitalista (e, portanto,também para os que, com ele, embolsam a mais-valia); que todo o sistema de produção capitalista giraem torno do prolongamento deste trabalho gratuito, alongando a jornada de trabalho ou desenvolvendoa produtividade, ou sei a, acentuando a tensão da força de trabalho, etc.; que, portanto, o sistema dotrabalho assalariado é um sistema de escravidão, uma escravidão que se torna mais dura à medida quese desenvolvem as forças sociais produtivas do trabalho, ainda que o operário esteja melhor ou piorremunerado. E quando esta concepção cada vez mais ia ganhando terreno no seio do nosso Partido, retrocede-se aos dogmas de Lassalle, apesar de que hoje já ninguém pode ignorar que Lassalle nãosabia o que era salário, mas que, indo na esteira dos economistas burgueses, tomava a aparência pelaessência da coisa!É como se, entre escravos que finalmente tivessem descoberto o segredo da escravidão e se rebelassemcontra ela, viesse um escravo fanático das idéias antiquadas e escrevesse no programa da rebelião: aescravidão deve ser abolida porque a manutenção dos escravos, dentro do sistema da escravidão, nãopode passar de um certo limite, extremamente baixo!O simples fato de que os representantes do nosso Partido tenham sido capazes de cometer um atentadotão monstruoso contra uma concepção tão difundida entre a massa do Partido, prova por si só aleviandade criminosa, a falta de escrúpulos com que foi empreendida a redação deste programa detransição.Em vez da vaga frase final do parágrafo: "suprimir toda desigualdade social e política", o que sedeveria ter dito é que, com a abolição das diferenças de classe, desaparecem por si mesmas asdesigualdades sociais e políticas que delas emanam.III"A fim de preparar o caminho para a solução do problema social, o Partido Operário Alemão exige quesejam criadas cooperativas de produção, com a ajuda do Estado e sob o controle democrático do povotrabalhador. Na indústria e na agricultura, as cooperativas de produção deverão ser criadas emproporções tais, que delas surja a organização socialista de todo o trabalho."Depois da "lei de bronze" de Lassalle, vem a panacéia do profeta. E se lhe "prepara o caminho" de ummodo digno. A luta de classes existente é substituída por uma frase de jornalista: "o problema social",para cuja "solução" "prepara-se o caminho". A "organização socialista de todo o trabalho" não é oresultado do processo revolucionário de transformação da sociedade, mas "surge" da "ajuda doEstado", ajuda que o Estado presta às cooperativas de produção "criadas» por ele e não pelosoperários. Esta fantasia de que com empréstimos do Estado pode-se construir uma nova sociedade comose constrói uma nova ferrovia é digna de LassallePor um resto de pudor, coloca-se "a ajuda do Estado" sol o controle democrático do "povotrabalhador".Mas, em primeiro lugar, o "povo trabalhador", na Alemanha, é constituído, em sua maioria, porcamponeses, e não por proletários.Em segundo lugar, "democrático" quer dizer em alemão "governado pelo povo" ("volksherrschaftlich").E que significa isso de "controle governado pelo povo do povo trabalhador"? E, além disso, tratando-sede um povo trabalhador que, pelo simples fato de colocar estas reivlndicaç5es perante o Estado,exterioriza sua plena consciência de que nem está no Poder, nem se acha maduro para governar!Desnecessário entrar aqui na critica da receita prescrita por Buchez, sob o reinado de Luís Felipe, poroposição aos socialistas franceses, e aceita pelos trabalhadores reacionários do Atelier 1• Overdadeiramente escandaloso não é tampouco o fato de que se tenha levado para o programa esta curamilagrosa especifica, mas o fato de que se abandone o ponto de vista do movimento de classes, pararetroceder ao movimento de seitas. O fato de que os operários desejem estabelecer as condições de produção coletiva em toda a sociedade eantes de tudo em sua própria casa, numa escala nacional, só quer dizer que obram por subverter asatuais condições de produção, e Isso nada tem a ver com a fundação de sociedades cooperativas com aajuda do Estado. E, no que se refere às sociedades cooperativas atuais, estas só têm valor na medida emque são criações Independentes dos próprios operários, não protegidas nem pelos governos nem pelosburgueses.IVE agora vou referir-me à parte democrática.A. "Base livre do Estado"Antes de tudo, de acordo com o capítulo II, o Partido Operário Alemão aspira ao "Estado livre".Que é o Estado livre?A missão~ do operário que se libertou da estreita mentalidade do humilde súdito, não é, de modo algum,tornar livre o Estado. No Império Alemão, o "Estado" é quase tão "livre" como na Rússia. A liberdadeconsiste em converter o Estado de órgão que está por cima da sociedade num órgão completamentesubordinado a ela, e as formas de Estado continuam sendo hoje mais ou menos livres na medida em quelimitam a "liberdade do Estado".O Partido Operário Alemão - pelo menos se fizer seu este programa - demonstra como as idéias dosocialismo não lhe deixaram sequer marcas superficiais; pois que, em vez de tomar a sociedade existente(e o mesmo podemos dizer de qualquer sociedade no futuro) como base do Estado existente (ou dofuturo, para uma sociedade futura), considera mais o Estado como um ser Independente, com seus-próprios fundamentos espirituais, morais e liberais. -Além disso, que dizer do abuso com que o programa faz uso das palavras "Estado atual", "sociedadeatual" e da incompreensão ainda mais estúpida manifestada relativamente ao Estado, ao qual dirigesuas reivindicações!A "sociedade atual" é a sociedade capitalista, que existe em todos os pulses civilizados, mais ou menoslivre de complementos medievais, mais ou menos modificada pelas particularidades do desenvolvimentohistórico de cada país, mais ou menos desenvolvida. Pelo contrário, o "Estado atual" se modifica com asfronteiras de cada país. No Império prussiano é diverso do que existe na Suíça, na Inglaterra é diferentedo dos Estados Unidos, "O Estado atual" é, portanto, uma ficção.Entretanto, os diferentes Estados dos diferentes países civilizados, em que pese à confusa diversidade desuas formas. têm de comum o fato de que todos eles repousam sobre as bases da moderna sociedadeburguesa, ainda que em alguns lugares esta se ache mais desenvolvida do que em outros, :no sentidocapitalista. Têm também, portanto, certos caracteres essenciais comuns. Neste sentido, pode-se falar ~o"Estado atual", em oposição ao futuro, no qual sua atual raiz, a sociedade burguesa, ter-se-á extinguido.-Cabe, então, a pergunta: que transformação sofrerá o Estado na sociedade comunista? Ou, em outrostermos: que funções sociais, análogas às atuais funções do Estado, subsistirão então? Esta pergunta sópode ser respondida cientificamente, e por mais que combinemos de mil maneiras a palavra povo e a palavra Estado, não nos aproximaremos um milímetro da solução do problema.Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista medeia o período da transformaçãorevolucionária da primeira na segunda. A este período corresponde também um período político detransição, cujo Estado não pode ser outro senão a ditadura revolucionária do proletariado.O programa, porém, não se ocupa desta última, nem do Estado futuro da sociedade comunista.Suas reivindicações políticas não vão além da velha e surrada ladainha democrática: sufrágio universal,legislação direta, direito popular, milícia do povo, etc. São um simples eco do Partido Popular burguês ,da Liga pela Paz e a Liberdade, São, todas elas, reivindicações que, quando não são exageradas a pontode ver-se convertidas em Idéias fantásticas, já estão realizadas. Apenas o Estado que as pós em práticanão está dentro das fronteiras do Império Alemão, mas na Suíça, nos Estados Unidos, etc. Esta espéciede "Estado do futuro" já é o Estado atual, se bem que situado fora "do marco" do Império Alemão.Uma coisa, porém, foi esquecida. Já que o Partido Operário Alemão declara expressamente que atuadentro do "atual Estado nacional", isto é, dentro do seu próprio Estado, do Império Prussiano-Alemão -de outro modo, suas reivindicações seriam, em sua maior parte, absurdas, pois só se exige o que não setem -, não devia ter esquecido o principal, a saber: que todas estas lindas minudências têm por base oreconhecimento da chamada soberania do povo, e que, portanto, só têm cabimento numa Repúblicademocrática.E já que não se tinha o desassombro - o que é muito cordato, pois a situação exige prudência - de exigira república democrática, como o faziam os programas operários franceses sob Luís Felipe e sob LuísNapoleão, não se devia ter recorrido ao ardil, que nem é "honrado" nem é digno, de exigir coisas que sótêm sentido numa República democrática a um Estado que não passa de um despotismo militar dearcabouço burocrático e blindagem policial, guarnecido por formas parlamentares, de mistura comingredientes feudais e já influenciado pela burguesia; e, ainda por cima, assegurar a este Estado quealguém imagina conseguir isso dele "por meios legais"!Mesmo a democracia vulgar, que vê na República democrática o reino milenar e não tem a menor Idéiade que é precisamente nesta última forma de Estado da sociedade burguesa onde se irá travar a batalhadefinitiva da luta de classes; até ela mesma está mil vezes acima desta espécie de democratismo queremove dentro dos limites do autorizado pela polícia e vedado pela lógica.Que por "Estado" entende-se, de fato, a máquina de governo, ou que o Estado, em razão da divisão dotrabalho, constitui um organismo próprio, separado da sociedade, Indicam-no estas palavras: "oPartido Operário Alemão exige como base econômica do Estado: um imposto único e progressivo sobrea renda", etc. Os impostos são a base econômica da máquina de governo, e nada mais. No Estado dofuturo, j~ existente na Suíça, esta reivindicação está quase realizada. O imposto sobre a rendapressupõe as diferentes fontes de receita das diferentes classes sociais, isto é, a sociedade capitalista.Nada há, pois, de estranho, que os Financial-Reformers de Liverpool - que são burgueses, com o irmãode Gladstone à frente - coloquem a mesma reivindicação que - o programa.B. "O Partido Operário Alemão exige, como base espiritual e moral do Estado:1. Educação popular geral e igual a cargo do Estado. Assistência escolar obrigatória para todos.Instrução gratuita" popular igual? Que se entende por Isto? Acredita-se que na sociedade atual (que é a de que setrata), a educação pode ser igual para todas as classes? O que se exige é que também as classes altassejam obrigadas pela força a conformar-se com a modesta educação dada pela escola pública, a únicacompatível com a situação econômica, não só do operário assalariado, mas também do camponês?"Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita". A primeira já existe, inclusive naAlemanha; a segunda na Suiça e nos Estados Unidos, no que se refere às escolas públicas, O fato de queem alguns Estados deste último país sejam "gratuitos" também os centros de ensino superior, significatão somente, na realidade, que ali as classes altas pagam suas despesas de educação às custas do fundodos Impostos gerais. E - diga-se de passagem - Isto também pode ser aplicado à "administração dajustiça com caráter gratuito", de que se fala no ponto A,5 do programa. A justiça criminal é gratuita emtoda parte; a justiça civil gira quase inteiramente em torno dos pleitos sobre a propriedade e afeta,portanto, quase exclusivamente às classes possuidoras. Pretende-se que estas decidam suas questões àscustas do tesouro público?O parágrafo sobre as escolas deveria exigir, pelo menos, escolas técnicas (teóricas e práticas),combinadas com as escolas públicas.Isso de "educação popular a cargo do Estado" é completamente inadmissível. Uma coisa é determinar,por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoaldocente, as matérias de ensino, etc., e velar pelo cumprimento destas prescrições legais medianteinspetores do Estado, como se faz nos Estados Unidos, e outra coisa completamente diferente é designaro Estado como educador do povo! Longe disto, o que deve ser feito é subtrair a escola a toda influênciapor parte do governo e da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano-Alemão (e não vale fugir com o baixosubterfúgio de que se fala de um "Estado futuro"; já vimos o que é este), onde, pelo contrário, é o Estadoquem necessita de receber do povo uma educação muito severa.Em que pese a toda sua fanfarronice democrática, o programa está todo ele infestado até a medula da féservil da seita lassalliana no Estado; ou - o que não é muito melhor - da superstição democrática; ou é,mais propriamente, um compromisso entre estas duas superstições, nenhuma das quais nada tem a vercom o socialismo."Liberdade da ciência"; já é estatuída por um parágrafo da Constituição prussiana. Para que, pois,trazer isto aqui?"Liberdade de consciência!" Se, nestes tempos do Kulturkampf 1, desejava-se lembrar ao liberalismoseus velhos lemas, só se poderia fazer, naturalmente, deste modo: todo mundo tem o direito de satisfazersuas necessidades religiosas, do mesmo modo que suas necessidades físicas, sem que a policia tenha quemeter o nariz no assunto. Mas, o Partido Operário, aproveitando a ocasião, tinha que haver expressadoaqui sua convicção de que a "liberdade de consciência" burguesa limita-se a tolerar qualquer tipo deliberdade de consciência religiosa, ao passo que ele aspira, pelo contrário, a libertar a consciência detodas as fantasmagorias religiosas. Preferiu-se, porém, não sair dos limites "burgueses".E com Isto, chego ao fim, pois o apêndice que vem depois do programa não constitui urna partecaracterística deste. Portanto, procurarei ser multo breve.2. "Jornada normal de trabalho".Em nenhum outro país limita-se o partido operário a formular uma reivindicação tão vaga, mas sempre fixa a duração da jornada de trabalho que, sob condições concretas, é considerada normal.3. "Restrição do trabalho da mulher e proibição do trabalho Infantil". -A regulamentação da jornada de trabalho já deve incluir a restrição do trabalho da mulher, no que serefere à duração, repouso, etc., da jornada; a não ser assim, só pode eqüivaler à proibição do trabalhoda mulher nos ramos da produção que sejam especialmente nocivos ao organismo feminino, ouinconvenientes, do ponto de vista moral, a este sexo. Se foi isto o que se quis dizer, deveria ter sido dito."Proibição do trabalho infantil". Aqui era absolutamente necessário fixar o limite de idade.A proibição geral do trabalho infantil é incompatível com a existência da grande indústrla e, portanto,um piedoso desejo, porém nada mais. Pôr em prática esta proibição - supondo-a factível - seriareacionário, uma vez que, regulamentada severamente a jornada de trabalho segundo as diferentesidades e aplicando as demais medidas preventivas para a proteção das crianças, a combinação dotrabalho produtivo com o ensino, desde uma tenra idade, é um dos mais poderosos meios detransformação da sociedade atual.4. "Inspeção pelo Estado da indústria nas fábricas, nas oficinas e a domicilio".Tratando-se do Estado prussiano-alemão, deveria exigir-se, taxativamente, que os inspetores sópoderiam ser substituídos mediante sentença judicial; que todo operário pudesse denunciá-los aostribunais por transgressões no cumprimento do seu dever; e que fossem médicos.5. "Regulamentação do trabalho nas prisões".Reivindicação mesquinha, num programa geral operário, Em todo caso, deveria proclamar-seclaramente que não se desejava, por temor à concorrência, ver delinqüentes comuns tratados comobestas, e, sobretudo, que não se queria privá-los de seu único meio de corrigir-se: o trabalho produtivoEra o menos que se poderia esperar de socialistas.6. "Uma lei eficaz de responsabilidade civil".Devia dizer-se o que se entende por lei "eficaz" de responsabilidade civil,Diremos de passagem que, ao falar da jornada normal de trabalho, não se teve em conta a parte dalegislação fabril que se refere às medidas sanitárias e meios de proteção contra os acidentes, etc. A leide responsabilidade civil só entra em ação depois de Infringidas estas prescrições.Numa palavra, também o apêndice caracteriza-se por sua redação descuidada.Dixi et salvavi animan meam ,Escrito por K. Marx em princípios de maio de 1875. Publicado pela primeira vez (com certas omissões)por F. Engels em 1891, na revista Neue Zeit. Publica-se de acordo com a edição soviética de 1952. cujotexto foi traduzido do manuscrito em alemão. Traduzido do espanhol. Carta de Engels a Augusto BebelLondres, 18/28 de março de 1875.Querido Bebel:Recebi sua carta de 23 de fevereiro e alegra-me que o seu estado de saúde seja tão satisfatório.Pergunta-me você qual é o nosso critério sobre a história da unificação. Desgraçadamente, conoscopassou-se o mesmo que com você. Nem Liebknecht, nem ninguém, deu-nos noticia alguma, razão pelaqual tampouco nós sabemos mais do que dizem os jornais, que nada trouxeram, até que há cerca de oitodias recebemos o projeto de programa. Este nos causou, certamente, um assombro não pequeno.Nosso Partido estendeu a mão com tanta freqüência aos partidários de Lassalle para a conciliação, oupelo menos para chegar a algum acordo, e os Hasenclever, Hasselmann e Tölcke sempre a repeliram deum modo tão persistente e desdenhoso, que até uma criança poderia perceber que se agora essessenhores vêm a nós espontaneamente e nos oferecem a conciliação, d porque devem achar-se numasituação de grandes apuros. Dado o caráter, sobejamente conhecido, desta gente, o dever de todos nósera o de aproveitar estes apuros para arrancar toda espécie de garantias e não permitir que esta gentefirmasse outra vez sua insegura posição diante da opinião operária às custas do nosso Partido. Devia-setê-los acolhido com extraordinária frieza e desconfiança, fazer depender a unificação do grau em queestivessem dispostos a renunciar a suas palavras de ordem sectárias e à sua ajuda do Estado, e adotar,no essencial, o programa de Eisenach de 1869, ou uma versão corrigida do mesmo programa eadaptada ao momento presente. Sob este aspecto teórico, Isto é, no que é decisivo para o programa,nosso Partido não tinha absolutamente nada a aprender com os de Lassalle, mas eles, sim, tinham queaprender com ele; a primeira condição para a unidade devia ter sido que deixassem de ser sectários,que deixassem de ser lassallianos e, portanto e antes de tudo, que renunciassem à panacéia universal daajuda do Estado ou, pelo menos, que a reconhecessem como uma dentre muitas medidas transitórias esecundárias. O projeto de programa demonstra que nossa gente, situada com degraus acima dosdirigentes lassallianos no que se refere à teoria, está mil degraus abaixo deles quanto à habilidadepolítica; os "honrados" viram-se, uma vez mais, cruelmente logrados pelos desonestos.Em primeiro lugar, aceita-se a frase ribombante, mas historicamente falsa, de Lassalle: diante da classeoperária, todas as demais não constituem senão uma massa reacionária. Esta tese só é exata em algunscasos excepcionais, por exemp19, numa revolução do proletariado como a Comuna, ou num pais ondenão tenha sido só a burguesia quem criou o Estado e a sociedade à sua imagem e semelhança, mas quedepois dela veio a pequena burguesia democrática e levou ~i suas últimas conseqüências a mudançaoperada. Se, por exemplo, na Alemanha, a pequena burguesia democrática pertencesse a esta massareacionária, como podia o Partido Operário Social-Democrata ter marchado ombro a ombro com ela,com o Partido Popular, durante vários anos? Como podia o Volksstaat tomar a quase totalidade do seuconteúdo político do Frankfurter Zeitung, jornal democrático pequeno-burguês? E como podem serincluídas neste mesmo programa sete reivindicações, pelo menos, que coincidem direta e literalmentecom o programa do Partido Popular e da democracia pequeno-burguesa? Refiro-me às setereivindicações políticas(da 1 à 5 e da l à 2),entre as quais não há um só que não sejademocrático-burguesaEm segundo lugar, renega-se praticamente por completo, no presente, o princípio internacionalista domovimento operário, e isto é feito por homens que pelo espaço de cinco anos e nas mais duras circunstâncias mantiveram de um modo glorioso este princípio! A posição ocupada pelos operáriosalemães na vanguarda do movimento europeu deve-se, essencialmente, à atitude autenticamenteinternacionalista por eles mantida durante a guerra; nenhum outro proletariado havia-se portado tãobem. E agora vão renegar este princípio, no momento em que em todos os países do estrangeiro osoperários o acentuam com a mesma intensidade com que os governos procuram reprimir qualquertentativa de impô-lo numa organização! E que fica de pé do internacionalismo do movimento operário?A pálida perspectiva, já não de uma futura ação conjunta dos operários europeus - para suaemancipação, mas de uma futura «fraternidade internacional dos povos", dos "Estados Unidos daEuropa" dos burgueses da Liga pela Paz!Não havia, naturalmente, porque falar da Internacional como tal. Mas, pelo menos, não se devia terdado nenhum passo atrás relativamente ao programa de 1869 e dizer, por exemplo, que se bem que oPartido Operário Alemão atua, cm primeiro lugar, dentro das fronteiras do Estado de que faz parte (nãotem nenhum direito de falar em nome do proletariado europeu, nem, sobretudo, de dizer nada que seja~a1-SO), tem consciência de sua solidariedade com os operários de todos os países e estará sempredisposto a continuar cumprindo, como até agora, com os deveres que esta solidariedade impõe. Estesdeveres existem, mesmo que não se considere nem se proclame como parte da Internacional; são, porexemplo, o dever de ajudar em caso de greve e impedir o envio de fura-greves, preocupar-se em que osórgãos do partido informem os operários alemães sobre o movimento estrangeiro, organizar campanhasde agitação contra as guerras dinásticas iminentes ou que já eclodiram, urna atitude diante destas comoa exemplarmente mantida em 1870 e 1871, etc.Em terceiro lugar, nossa gente permitiu que lhe fosse imposta a lassalliana, "lei de bronze do salário",baseada num critério econômico completamente antiquado, a saber: que o operário não recebe, emmédia, senão o mínimo de salário, e isto porque, segundo a teoria da população de Malthus, há sempreoperários de sobra (esta era a argumentação de Lassaiie~. Ora bem; Marx demonstrou minuciosamente,no O Capital, que as leis que regulam o salário são muito complexas, que ora predominam umas, oraoutras, segundo as circunstâncias; que, portanto, estas leis não são, de modo algum, de bronze, mas,pelo contrário, são multo plásticas, e que o problema não se pode resolver assim, em duas palavras,como acreditava Lassalle. A fundamentação que faz Malthus da lei que Lassalle toma dele e de Ricardo(falseando este último), tal como se pode ver, por exemplo, citada de outro folheto de Lassalle, no Livrode Leituras Para Operários, página 5, foi refutada com todos os detalhes por Marx no capitulo sobre oProcesso de Acumulação do Capital. Assim, pois, ao adotar a lei de bronze de Lassalle,pronunciaram-se a favor de um principio falso e de uma falsa fundamentação desse principio.Em quarto lugar, o programa coloca como única reivindicação social a ajuda estatal lassalliana em suaforma mais descarada, tal como Lassalle plagiou-a de Buchez. E isto depois de Bracke haverdemonstrado sobejamente a inutilidade desta reivindicação1 depois de quase todos, senão todos, osoradores do nosso Partido terem-se visto obrigados, em sua luta contra os lassallianos, a pronunciar-secontra esta "ajuda do Estado"! Nosso Partido não podia chegar a maior humilhação, Ointernacionalismo rebaixado ao nível de um Amand Gögg, o socialismo, ao do republicano burguêsBuchez, que colocava esta reivindicação diante dos socialistas, para combatê-los!No melhor dos casos, a "ajuda do Estado", no sentido lassalliano, não é mais que uma dentre tantasmedidas para conseguir o objetivo aqui imperfeitamente definido como "a fim de preparar o caminhopara a solução do problema social", como se para nós ainda existisse um problema social que estivesseteoricamente sem solução! Se, portanto, se dissesse: o Partido Operário Alemão aspira a abolir o trabalho assalariado, e com ele as diferenças de classe, Implantando a produção cooperativa naindústria e na agricultura em escala nacional, e advoga todas e cada uma das medidas adequadas àconsecução deste fim, nenhum lassalliano nada teria a objetar a isso.Em quinto lugar, nada se diz absolutamente da organização da classe operária como tal classe, pormeio dos sindicatos. E este é um ponto muito essencial, pois se trata da verdadeira organização declasse do proletariado, na qual este trava suas lutas diárias contra o capital, na qual se educa odisciplina a si mesmo, e ainda hoje em dia, com a mais negra reação (como agora em Paris), não podeser esmagada. Dada a importância que esta organização adquiriu também na Alemanha, teria sido, anosso ver, absolutamente necessário mencioná-la no programa e ter-lhe reservado, se possível, um lugarna organização do Partido.Tudo isto foi feito por nossa gente para comprazer os lassallianos. E em que cederam os outros? Em quefigure no programa um montão de reivindicações puramente democráticas e bastante confusas, algumasdas quais não passam de questões em moda, como, por exemplo, a "legislação pelo povo", que existe naSuíça, onde produz mais prejuízos do que benefícios, se é que se se pode dizer que produz alguma coisa.Se se dissesse "administração pelo povo", talvez tivesse algum sentido. Falta, igualmente, a primeiracondição de qualquer liberdade: que todos os funcionários sejam responsáveis quanto aos seus atos emserviço relativamente a todo cidadão, perante os tribunais ordinários e segundo as leis gerais. E nãoquero falar de reivindicações como a da liberdade da ciência e a da liberdade de consciência, quefiguram em todo programa liberal-burguês e que aqui soam como algo estranho.O Estado popular livre converteu-se no Estado livre. Gramaticalmente falando, Estado livre é umEstado que é livre com relação aos seus cidadãos, isto é, um Estado com um governo despótico.Devia-se ter abandonado todo esse charlatanismo acerca do Estado, sobretudo depois da Comuna, quejá não era um Estado no verdadeiro sentido da palavra. Os anarquistas nos lançaram repetidamente àface essa coisa de "Estado popular", apesar de que já a obra de Marx contra Proudhon 1, e em seguidao Manifesto Comunista dízem claramente que, com a implantação do regime social socialista, o Estadose dissolverá por si mesmo e desaparecerá. Sendo o Estado uma Instituição meramente transitória, que éutilizada na luta, na revolução, para submeter os adversários pela violência, é um absurdo falar deEstado popular livre: enquanto o proletariado ainda necessitar do Estado, não o necessitará nointeresso da liberdade, mas para submeter os seus adversários, e tão logo que for possível falar-se deliberdade, o Estado como tal deixará de existir. Por isso, nós proporíamos que fosse dita sempre, em vezda palavra Estado, a palavra "Comunidade" (Gemeinwesen), uma boa e antiga palavra alemã queeqüivale à palavra francesa "Commune"."Supressão de toda desigualdade social e política", em vez de "abolição de todas as diferenças declasse", é também uma frase muito discutível. De um país para outro, de uma região para outra, atémesmo de um lugar para outro, existirá sempre uma certa desigualdade quanto às condições de vida,que poderão ser reduzidas ao mínimo, mas jamais suprimidas por completo. Os habitantes dos Alpesviverão sempre em condições diversas das dos habitantes da planície. A concepção da sociedadesocialista como o reino da igualdade, 6 uma Idéia unilateral francesa, apoiada no velho lema de"liberdade, Igualdade, fraternidade"; uma concepção que teve sua razão de ser como fase dedesenvolvimento em seu tempo e em seu lugar, mas que hoje deve ser superada, do mesmo modo quetudo o que há de unilateral nas escolas socialistas anteriores, uma vez que só gera confusões, e porque,ademais, foram descobertas fórmulas mais precisas para expor o problema. E termino aqui, apesar de que seria preciso criticar quase cada palavra deste programa, redigido, alémdo mais, num estilo frouxo e vulgar. E a tal ponto que, no caso de ser aprovado, Marx e eu jamaispoderíamos militar no novo partido edificado sobre esta base e teríamos que meditar muito seriamenteacerca da atitude que teríamos de adotar diante dele, inclusive publicamente. Tenha você em conta que,no estrangeiro, nós somos considerados como responsáveis por todas e cada uma das manifestações edos atos do Partido Operário Social-Democrata Alemão. Assim, por exemplo, Bakunin em sua obraPolítica e Anarquia, responsabiliza-nos por cada palavra Irrefletida pronunciada e escrita porLiebknecht desde a fundação do Demokratisches Wochenblatt 1~ Pensam, realmente, que daqui nósdirigimos tudo, quando você sabe tão bem como eu, que quase nunca nos imiscuímos, por menos quefosse, nos assuntos internos do Partido, e, quando o fizemos, foi somente para corrigir, na medida dopossível, os erros que a nosso ver haviam sido cometidos, e além disso, somente quando se tratava deerros teóricos. Mas, você mesmo compreenderá que este programa representa uma reviravolta, a qualfacilmente poderia obrigar-nos a declinar de toda responsabilidade com relação ao partido que o adote.Em geral, Importam menos os programas oficiais dos partidos que os seus atos. Mas, um novo programaé sempre, apesar de tudo, uma bandeira que se levanta publicamente e pela qual os de fora fazem o seujulgamento sobre o partido. Não deveria, portanto, de modo algum, representar um retrocesso como oque este representa, em comparação com o de Eisenach. E também deveria levar-se em conta o quedirão deste programa os operários de outros países; a impressão que há de produzir esta genuflexão detodo o proletariado socialista alemão diante do lassallismo.Ademais, eu estou convencido de que a união feita sobre esta base não durará um ano sequer.Prestar-se-ão as melhores cabeças do nosso Partido a decorar e recitar as teses lassalianas sobre a leide bronze do salário e a ajuda do Estado? Aqui eu gostaria de vê-lo, por exemplo! E se fossem capazesde fazê-lo, o auditório os vaiaria. E estou certo de que os lassallianos aferram-se precisamente a estaspartes do programa como Shylock à sua libra de carne. Virá a cisão; mas teremos "restituído a honra"aos Hasselmann, aos Hasenclever, aos Tölcke e consortes; nós sairemos debilitados da cisão e oslassallianos fortalecidos; nosso Partido terá perdido sua virgindade política e jamais poderá voltar acombater com valentia a fraseologia de Lassalle, que ele próprio Inscreveu durante algum tempo emsuas bandeiras; e se, então, os lassallianos voltarem a dizer que eles são o verdadeiro e único partidooperário e que os nossos são uns burgueses, lá estará o programa para demonstrá-lo. Todas as medidassocialistas que nele figurem, procederão deles, e tudo o que o nosso Partido incluiu são asreivindicações tomadas da democracia pequeno-burguesa, a qual também ele considera, no mesmoprograma, como parte da "massa reacionária"!Não coloquei esta carta no correio, Já que você não será posto em liberdade antes de 1o. de abril, emhomenagem ao aniversário de Bismarck, e não queria expô-la ao risco de que a interceptassem se setentasse fazê-la passar de contrabando. Entrementes, acabo de receber uma carta de Bracke, quetambém faz graves reparos ao programa e quer conhecer a nossa opinião. Por isso, e para ganhartempo, envio-lhe esta carta por seu intermédio, para que a leia e assim não necessitarei escrevertambém a ele, repetindo toda a história. Ademais, também a Ramm l falei claro, e escrevi concisamentea Liebknecht. A ele não perdôo que não nos tenha dito uma palavra sequer sobre todo o assunto(enquanto Ramm e outros supunham que nos havia informado detalhadamente), até que se tomou, porassim dizer, demasiado tarde. É certo que sempre fez o mesmo - e daqui o montão de cartasdesagradáveis que Marx e eu trocamos com ele -, mas desta vez a coisa é demasiado grave e,decididamente, não marcharemos com ele por esse caminho. Arranje você as coisas para vir no verão. Ficará alojado, naturalmente, em minha casa e, se fizer bomtempo, poderemos Ir alguns dias ao banho de mar, coisa que lhe fará muito bem, depois de tão longoencarceramento. Cordialmente seu, F.E.Carta de Engels a KautskyLondres, 23 de fevereiro de 1891.Querido Kautsky:Terás recebido minhas precipitadas felicitações de aniversário, de anteontem. Voltemos, pois, agora anosso assunto, à carta de Marx .O temor de que proporcionasse uma arma aos adversários era infundado. Insinuações maliciosas podemser assacadas contra todos e contra tudo, mas, em conjunto, a impressão produzida entre os adversáriosfoi de completa perplexidade diante desta impecável autocrítica, e a sensação da força interior que deveter um partido para poder permitir-se tais luxos! É Isto o que se deduz dos jornais contrários que meenviaste (muito obrigado!) e dos que chegaram às minhas mãos por outras vias. E, falando francamente,foi esta a intenção com que eu publiquei o documento. Não Ignorava 1 eu que em muitos lugares iaproduzir-se, no primeiro Instante, muito pesar, mas isto era inevitável, e o conteúdo do documento pesouem mim mais do que outras considerações. Sabia que o Partido era sobejamente forte para suportá-lo ecalculei que também agora suportaria aquela linguagem franca, empregada há quinze anos, e que seriaassinalada com justificado orgulho esta prova de força e seria dito: que partido pode atrever-se a fazero mesmo? O dizê-lo, porém, deixou-se a cargo dos Arbeiter Zeitung da Saxônia e de Viena e do ZüricherPostÉ magnífico de tua parte que te encarregues da responsabilidade de publicá-lo no número 21 da NeueZeit, mas não te esqueças de que o primeiro empurrão dei-o eu, pondo-te, ademais, por assim dizer,entre a espada e a parede. Por isso, chamo para mim a principal responsabilidade. Quanto aos detalhes,sobre isso é sempre possível ter-se critérios diferentes. Suprimi todas aquelas coisas às quais tu e Dietzhavíeis apresentado objeções, e se Dietz houvesse assinalado mais passagens, eu teria procurado, dentrodo possível, ser transigente; sempre vos dei provas disto. Mas, quanto ao essencial, eu tinha o dever dedar publicidade à coisa, uma vez que se colocava o programa em debate. E com maior razão depois doinforme de Liebknecht em Halle, no qual este, de uma parte, utilizou sem escrúpulos trechos dodocumento como se fossem seus, e de outra, combateu-o sem o mencionar; Marx, sem dúvida nenhuma,teria oposto a semelhante versão o original, e eu estava na obrigação de fazer o mesmo.Desgraçadamente, não tinha então ainda o documento, que encontrei muito mais tarde, depois de longabusca.Dizes que Bebel te escreve afirmando que a forma com que Marx trata Lassalle irritou profundamente osvelhos lassanianos. É possível. As pessoas não conhecem a verdadeira história e não foi mau que tivessesido explicada. Eu não tenho culpa de que essa gente ignore que Lassalle devia toda a suapersonalidade ao fato de que Marx lhe permitiu, durante muitos anos, enfeitar-se com os frutos de suasinvestigações como se fossem dele, deixando-lhe, além disso, que as tergiversasse por falta de preparoem matéria de economia. Mas, eu sou o testamenteiro literário de Marx, e isto me impõe deveres.Lassalle passou à história desde há 26 anos. E se, enquanto esteve em vigor a lei de exceção, a críticahistórica deixou-o em paz, vai chegando finalmente a hora de que esta seja restaurada nos seus se faça luz sobre a posição de Lassalle em relação a Marx. A legenda que envolve e glorifica averdadeira figura de Lassalle não pode converter-se em artigo de fé para o Partido. Por multo que sequeiram destacar os méritos de Lassalle no movimento, seu papel histórico dentro dele continua sendoum papel dúplice. O socialista Lassalle é seguido, como o corpo pela sombra, pelo demagogo Lassalle.Por trás do agitador e do organizador, assoma o advogado Lassalle, que dirige o processo da Hatzfeld :o mesmo cinismo quanto à escolha dos meios e a mesma predileção por rodear-se de pessoas suspeitas ecorrompidas, que só se utilizam ou se desprezam como simples instrumentos. Até 1826 foi, em suaatuação prática, um democrata vulgar especificamente prussiano com marcadas Inclinaçõesbonapartistas (acabo precisamente de reler suas cartas a Marx); em seguida mudou subitamente, porrazões puramente pessoais, e começou suas campanhas de agitação; o nem bem haviam transcorridodois anos, propugnava que os operários deviam tomar o partido da monarquia contra a burguesia, e seenvolveu em Intrigas tais com Bismarck, com ele afim em caráter, que forçosamente o teriam conduzidoa trair de fato o movimento se, para sorte dele, não lhe houvessem acertado um tiro em tempo. Em seusescritos ,de agitação, as verdades que tomou de Marx estão tão embrulhadas com suas própriaselucubrações. geralmente falsas que.é mesmo difícil separar umas coisas das outras. O setor operárioque se sente ferido pela opinião de Marx, só conhece der Lassalle seus dois anos de agitação; e, alémdisso, vistos sob um prisma róseo. Mas, a crítica da história não pode prosternar-se eternamente diantede tais preconceitos. Para mim, era um dever revelar de uma vez as verdadeiras relações entre Marx eLassalle. Já está feito. Posso contentar-me com isto, até o momento. Ademais, eu próprio tenho agoraoutras coisas que fazer. E o implacável juízo de Marx sobre Lassalle, já publicado, se encarregará por sisó de surtir seu efeito e infundir ânimo a outros. Mas, se me visse obrigado a isso, não teria outroremédio senão acabar de uma vez para sempre com a lenda de Lassalle.Tem graça o fato de haverem aparecido na minoria vozes que exigem a imposição da censura a NeueZeit. Será o fantasma da ditadura da 1 do tempo da lei contra os socialistas (ditadura necessária emagnificamente dirigida então), ou são recordações da finada e rígida organização de von Schweitzer?É, na verdade, uma idéia genial pensar em submeter a ciência socialista alemã, depois de tê-la libertadoda lei de Bismarck contra os socialistas, a uma nova lei anti-socialista que as próprias autoridades doPartido Social-Democrata teriam que fabricar e pôr em execução. Além do mais, a própria naturezadispôs que as árvores não cresçam até o céuO artigo do Vorwärts não me inquieta muito. Aguardarei que Liebknecht relate à sua maneira oocorrido, e depois responderei a ambos no tom mais amistoso possível. Será preciso corrigir algumasInexatidões do artigo do Vorwärts (por exemplo, a de que nós não queríamos a unificação, que osacontecimentos vieram provar que Marx não estava certo, etc.); também terá que confirmar algumascoisas evidentes. Conforme esta resposta, penso dar por terminado, quanto a mim, o debate, no caso emque novos ataques ou afirmações inexatas não me obriguem a dar novos passos.
Diz a Dietz que estou trabalhando na nova edição da Origem. Mas, hoje me escreve Fischer que quer três prólogos novos
Teu F.E

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